ALGUMA DUVIDA?

A Missão - Parte I
Marcos Pontes
24/02/2006

Lembrando da história. Vinte e três de outubro de 1906. Primeira decolagem autônoma de um veículo mais pesado que ar. Alguma dúvida? Tecnicamente não existe qualquer polêmica quanto a esse fato. Assim como, quero crer, não existe qualquer dúvida quanto à criatividade, coragem, capacidade, determinação e inovação do “nosso” Santos Dumont. Existem comentários maldosos, críticas negativas, idéias influenciadas, etc. Todas escritas por aproveitadores que usam do poder com as palavras para terem “o seu momento de glória”. É claro. Isso sempre existirá. Todos nós, brasileiros, sabemos disso.

Pessoas falam pelo mundo. Discutem teorias. Engenheiros de obra pronta. Fácil discutir sobre o que alguém construiu. Mas, o fato existe não por palavras, discussões ou críticas. É necessário coragem para arriscar. É necessário ação. Coisas que a maioria das pessoas que “discutem” nunca tiveram. O 14-bis decolou. Isso é fato.
14-bis

Hoje em dia, como claro se faz pela história que perdura às críticas, Santos Dumont é o nosso herói da aviação. Desconhecido em grande parte do mundo, e algumas vezes criticado pelos próprios compatriotas, até hoje não teve o seu real lugar na aeronáutica mundial. Merece muito mais do que uma escondida lembrança no “famoso” Smithsonian Museum em Washington DC. Merece seu verdadeiro reconhecimento internacional, apesar dos críticos. Ao menos essa é a minha opinião e, por essa razão, sinto enorme orgulho da posição que me encontro hoje.

Daqui há pouco mais de um mês estarei decolando com a bandeira do Brasil pela primeira vez para o espaço. Ano de 2006. Cem anos da decolagem de Santos Dumont. Certamente não é necessário falar o que significa isso. Todos nós, brasileiros, sabemos disso.
Aqui, Star City, Moscou, nove horas da noite. Silêncio e solidão. Meus fiéis companheiros dos últimos tempos. Noites frias. Gráficos, cálculos, preparação, cansaço. Procuro distração lendo as notícias que recebo do Brasil.
Três semanas. Esse é o tempo que falta para a viagem ao Cazaquistão, última parada antes da decolagem.
Nesta semana conclui com sucesso a fase de treinamento para pouso na água, sobrevivência e resgate na água. Muito interessante, e apertado! Tente tirar um traje espacial dentro de uma cápsula com três pessoas. Depois, se isso não bastar, coloque três roupas de sobrevivência, uma sobre a outra, sendo a última de borracha. Realmente um aperto! Cair na água depois de tudo isso nunca foi tão refrescante.
Conclui também a fase de treinamento em aeronave para simulação de microgravidade. Já tinha feito desses vôos em Houston. No final, depois de 2 vôos e mais de 20 manobras completas, frustrei a todos que esperavam que eu passasse mal com as parábolas e variações de fator de carga. Fazer o quê? A gente acaba acostumando com todas essas turbulências e expectativas negativas dos “amigos” na vida. O vôo só é um retrato mais resumido. Coisa metafórica!
Fizemos também um treinamento interessante com máscara de gás. Simulamos um incêncio na EEI que, como resultado, nos forçou a abandonar a estação utilizando máscaras de gás. Até aí, tudo bem. Colocar o traje Sokol usando máscara exige um certo grau de familiaridade com a roupa e seus acessórios. Não dá para ver nada! Depois, seguimos para a cápsula de descida do Soyuz e simulamos uma descida em emergência. O treinamento foi muito bom em termos de exigir conhecimento, determinação e espírito de equipe entre a tripulação.

Excelente! Aliás, não dá para falar muito com as máscaras. Precisa mesmo é agir. Rápido.
As atividades andam a todo vapor

Lá fora, a neve cai intensamente. A estrada para o espaço continua branca. Estarei passando por ela pelas últimas vezes nas próximas semanas aqui na “Cidade Estrelada”. No dia 18 de março, sábado, Pavel, Jeff e eu sairemos daqui a bordo de um avião militar russo com destino à base de lançamento de Baikonur, no Cazaquistão. Lá, continuaremos nosso treinamento isolados de todos, pelos últimos dias que antecedem a nossa decolagem. Um tipo de “quarentena de 11 dias”.
Nesse período teremos mais aulas de sistemas, treinamento fisiológico, práticas de emergências, testes de trajes espaciais e equipamentos, exames médicos, provas teóricas e práticas sobre todos os sistemas e procedimentos.
Os dias serão de concentração intensa. Não há espaço ou tempo para erros. Muito menos para dúvidas e discussões teóricas.
Haverá uma coletiva de imprensa no dia 28 de março. Terei a chance de ver minha família. Depois disso, silêncio e solidão.
Finalmente, no dia 30 de março, após a contagem regressiva em russo, quase 200 toneladas de combustível, distribuídas nos 3 estágios do foguete serão acesas, em uma ação simples e decisiva, sem muitas palavras, sem retorno, propulsionando a bandeira brasileira e milhões de corações pela primeira vez fora desse planeta.

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